As fraturas do planalto tibial são um risco à integridade ao movimento do joelho, pois, de acordo com a sua gravidade e o tratamento realizado, pode levar à incongruência (mal encaixe) articular e à instabilidade articular, que, por sua vez, pode levar ao desenvolvimento de osteoartrose pós-traumática.
As pessoas que mais acometidas são aquelas entre 21 e 40 anos, o segundo grupo mais afetado são daquelas pessoas entre 41 e 60 anos. Cerca de 48% dos pessoas que sofreram fratura do planalto tibial foram vítimas de atropelamentos e cerca de 8% sofreram um trauma esportivo.
As fraturas do planalto tibial correspondem de 1 a 8% das fraturas, sendo que a do planalto lateral é pelo menos duas vezes mais freqüente que a do medial.
Mecanismos de lesão
As lesões dos platôs ocorrem como resultado de uma força dirigida medialmente (deformidade em valgo, como na “fratura de para choque”), ou lateralmente (deformidade em varo), uma força compressiva axial ou ao mesmo tempo uma força axial e uma força pelo lado. O côndilo femoral respectivo neste mecanismo de lesão exerce ao mesmo tempo forças de cisalhamentos e compressivas sobre o platô tibial adjacente A magnitude da força determina o grau de fragmentação e o grau de desvio. Além da fratura, pode ter lesões associadas de tecidos moles, como lesões ligamentares, vasculares e nervosas.
Quadro clínico
A presença de dor, edema e incapacidade funcional do joelho após história de trauma é comum nas fraturas do planalto tibial. A deformidade e instabilidade articular são freqüentemente encontradas nessas fraturas e estão associadas à presença de lesões ligamentares. A presença de hemartrose é sugestiva de fratura intra-articular. Entretanto, o diagnóstico das fraturas do planalto tibial nem sempre é óbvio. Não é incomum que pacientes com fraturas incompletas ou fraturas por estresse tenham o seu diagnóstico firmado apenas semanas após um quadro de dor persistente no joelho não responsivo às medidas clínicas convencionais. São fatores fundamentais para o diagnóstico: história clínica detalhada e estudo por imagens.
Avaliação radiográfica
A avaliação radiográfica envolve quatro incidências:
A tomografia computadorizada pode ser útil para determinar a localização e a magnitude dos fragmentos. A reconstrução tridimensional das imagens não tem a mesma precisão dos cortes tomográficos, mas permite visualização da epífise tibial sob diferentes perspectivas, permitindo melhor entendimento e planejamento do tratamento.
A ressonância magnética pode auxiliar na concordância entre diferentes observadores quanto à classificação da fratura e ao tratamento. Além disso, pode ser útil na identificação de lesões de partes moles.
Prognóstico
Quatro fatores interferem no prognóstico das fraturas do platô tibial:
Grau de depressão articular
Extensão e separação da linha de fratura dos côndilos tibiais
Grau de cominuição e dissociação metafisária e diafisária
Integridade do envelope de tecidos moles
Estes fatores podem levar à incongruência ou ao mau alinhamento axial dinâmico da articulação, ao alargamento da superfície articular tibial, que promove relações anormais de contato com os côndilos femorais, e ao mau alinhamento dos côndilos tibiais em relação à diáfise da tíbia, que promove um desvio do eixo mecânico, que, por sua vez, favorece a doença degenerativa articular.
Classificação
Os dois métodos mais utilizados para a classificação das fraturas do planalto tibial são o de Schatzker e o do Grupo AO.
A classificação de Schatzker divide as fraturas do planalto tibial em seis grupos, distinguindo entre cisalhamento puro, depressão pura e associação entre esses dois padrões. Estabelece também um prognóstico diferencial entre as fraturas isoladas do planalto lateral e as do planalto medial. Os três primeiros grupos (I, II e III) são fraturas puras do planalto tibial, em geral, associadas a mecanismo de baixa energia. Os grupos IV, V e VI são fraturas-luxação do joelho, portanto, mais graves e associadas a danos importantes de tecidos moles.
A classificação AO é mais abrangente e inclui alguns tipos de fraturas da tíbia proximal não contempladas na classificação de Schatzker, como as fraturas metafisárias extra-articulares. Além disso, a classificação AO permite graduar o dano de tecidos moles, mesmo em fraturas fechadas, estabelecendo um prognóstico mais exato. Trata-se de um método alfanumérico onde as fraturas do planalto tibial são classificadas em 41 B ou 41 C, de acordo com o envolvimento parcial ou total da superfície articular. A desvantagem dessa classificação é sua aparente complexidade e dificuldade de memorização dos inúmeros subtipos possíveis.
Tratamento ortopédico
As fraturas de baixa energia, incompletas ou sem desvio, têm tratamento conservador. Deve ser realizada a punção do joelho na presença de derrame articular significativo, para o alívio da dor e a aceleração do processo de cicatrização articular. A articulação é imobilizada com um tutor longo articulado, que permita movimentos controlados do joelho. Em casos de maior instabilidade o joelho pode ser mantido em extensão durante até três semanas, sendo a articulação do tutor ajustada para ganhos progressivos de flexão articular durante o seguimento clínico da consolidação da fratura. O apoio de carga deve ser iniciado de modo parcial e progressivo, tão logo se evidenciem os primeiros sinais radiológicos e clínicos de consolidação óssea. O tratamento conservador também é indicado para pacientes com contraindicações clínicas ao tratamento cirúrgico.
A redução aberta e fixação interna está indicada nos casos onde a instabilidade articular esteja diagnosticada. Outras indicações para o tratamento cirúrgico são: fraturas expostas e fraturas associadas à síndrome de compartimento ou lesão vascular. Nessas situações, o tratamento deve ser conduzido em caráter emergencial. Nos demais casos, o momento da cirurgia é definido pelas condições clínicas gerais do paciente, condições dos tecidos moles adjacentes e planejamento para o tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico é ajustado de acordo com a classificação da fratura.
Reabilitação
O objetivo do pós-operatório é a mobilização precoce e indolor. Para isso, uma fixação estável da fratura é essencial. A descarga de peso permitida depende do tipo de fixação utilizada e da estabilidade obtida pela mesma, mas são recomendáveis descarga parcial de peso e deambulação com auxílio de muletas ou andador em praticamente todos as situações. Maior restrição de peso é recomendável nos casos com depressão articular, mas ainda assim é permitido apoiar o pé quando sentado e deambular tocando os dedos no solo (10 a 15kg).
A descarga parcial de peso pode ser iniciada com seis semanas de pós-operatório, o que se segue nas seis semanas seguintes. A descarga total é permitida após a décima segunda semana de pós-operatório. Se o paciente evoluir com hemartrose de grande volume, pode ser realizada artrocentese de alívio, facilitando a mobilização da articulação e a reabilitação fisioterápica. O programa de reabilitação pode ser dividido em cinco fases:
Primeira fase - proteção máxima (pós operatório imediato até 1ª semana de pós operatório)
Nesta fase devem ser utilizados recursos físicos e eletroterapia para controle da dor e da inflamação. O uso de brace com articulação deve ser feito com extensão total do joelho e deve ser utilizadas muletas por seis semanas sem carga sobre o membro afetado. O membro afetado deve ficar três a cinco dias elevado. Deve ser iniciado exercícios para mobilização da patela e exercícios passivos e ativo-assistidos para melhora da amplitude de movimento. O fortalecimento do quadríceps pode ser feito através do uso da eletroterapia (estimulação elétrica funcional) e de exercícios isométricos. Pode ser feita elevação da perna reta em cadeia cinética aberta em vários planos. O uso das muletas sem carga sobre o membro afetado deve ser treinado para minimizar o risco de quedas.
Segunda fase - alongamento progressivo e fortalecimento precoce (2ª a 6ª semana de pós operatório)
Os cuidados da primeira fase são mantidos e deve ser acrescido programa global de alongamento dos membros inferiores. Quando as incisões cirúrgicas estiverem cicatrizadas, podem ser iniciados exercícios na piscina. Exercícios aeróbios na bicicleta ergométrica podem ser realizados, tendo cautela quanto à carga sobre o membro afetado. Iniciar exercícios para estabilização segmentar da coluna vertebral e fortalecimento dos músculos do quadril em vários planos e em cadeia cinética fechada no lado não afetado. Técnicas de facilitação proprioceptiva pode ser utilizadas. Exercícios de propriocepção enfatizando o controle neuromuscular são úteis. O fortalecimento dos músculos do tornozelo nos seus vários planos podem ser realizados com auxílio de faixas elásticas.
Terceira fase - fortalecimento e propriocepção (6ª a 12ª semana de pós operatório)
Manutenção dos cuidados da segunda fase, aumentando progressivamente a carga sobre o membro afetado. À medida que a carga é liberada, maior a intensidade e o estímulo aeróbio (bicicleta ergométrica, piscina). Quando liberados, os exercícios de fortalecimento podem ser em cadeia cinética fechado bilateral, progredindo gradativamente para unilateral. Os exercícios de propriocepção têm seu nível de dificuldade aumentados progressivamente de acordo com o grau de consolidação.
Quarta fase - fortalecimento avançado e início da pliometria (13ª a 20ª semana)
Nesta fase deve ser iniciado os treinos de fortalecimento na academia, progredindo de exercícios bilaterais para unilaterais, de acordo com a tolerância do paciente. Podem ser realizados exercícios para fortalecimento dos grandes grupos musculares dos membros inferiores. O treino de marcha em terrenos irregulares, subir e descer escadas, subir e descer rampas, e outras formas de deslocamento (necessárias de acordo com a realidade do paciente) devem ser realizadas. Exercícios pliométricos podem ser iniciados nesta fase.
Quinta fase - retorno à prática do esporte (21ª a 24ª semana)
Iniciar exercícios funcionais específicos do esporte (gestos esportivo). Aumento progressivo do fortalecimento muscular, condicionamento aeróbio e treino de flexibilidade de acordo com a modalidade esportiva. Retorno gradual aos treinos.
Complicações
A rigidez do joelho é uma complicação frequente quando não se realiza mobilização articular precoce pós-operatória nos protocolos de reabilitação. Caso o paciente não recupere ao mínimo 90º de flexão com oito a dez semanas de pós operatório, estão indicadas liberação artroscópica das aderências intra-articulares e manipulação do joelho sob anestesia. Outra complicação é a síndrome compartimental, que deve ser tratada cirurgicamente.
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