Pontos gatilhos miofasciais - músculos do tronco eretor do pescoço
Aspectos anatômicos relevantes dos músculos do tronco eretor do pescoço
Figura 1 - localização anatômica dos músculos do tronco eretor cervical. Adaptado de: Irnich D. Myofascial Trigger Points. Comprehensive diagnosis and treatment. Churchill Livingstone. 2013.
Os músculos do tronco eretor do pescoço compreende:
O trato lateral: músculos iliocostal cervical, longuíssimo cervical e longuíssimo da cabeça.
O trato medial: músculos multífidos (porção cervical), interespinais cervicais, espinhal cervical, espinhal da cabeça, semiespinal da cabeça e semiespinal do pescoço.
Inervação: ramos posteriores dos nervos espinhais:
No trato lateral: ramos posteriores dos nervos espinhais (músculos longuíssimo do pescoço e longuíssimo da cabeça).
No trato medial: ramos posteriores dos nervos espinhais C3-C6 (músculos interespinhais cervicais, espinal cervical e espinal da cabela); ramos posteriores dos nervos espinhais C1–C5 (músculo semiespinal da cabeça); ramos posteriores dos nervos espinhais C3-C6 (músculo semiespinal do pescoço).
Origem
O trato lateral:
M. intercostal cervical: costela medial ao ângulo costal,
M. longuíssimo do pescoço: processos transversos de T6–T1 e C7–C3,
M. longuíssimo da cabeça: processos transversos de T3–C3,
O trato medial:
Mm. multífidos, parte cervical: processos articulares inferiores de C7-C4,
Mm. interespinhais cervicais: processos espinhosos de C7-C2,
M. espinhal cervical: processos espinhosos de T3 – T1 e C7 – C6,
M. espinhal da cabeça: processos espinhosos de T3-T1 e C7-C6,
M. semiespinal da cabeça: processos transversos de T7 a C3,
M. semiespinal do pescoço: processos transversos de T6 a C7.
Inserção
O trato lateral:
M. iliocostal cervical: tubérculo posterior do processo transverso de C6–C3,
M. longuíssimo do pescoço: tubérculo posterior do processo transverso de C5–C2,
M. longuíssimo da cabeça: margem posterior do processo mastóide.
O trato medial:
Mm. multífidos, parte cervical: processos espinhosos de C7-C2,
Mm. interspinales cervicis: processos espinhosos de T1 a C3,
M. espinhal do pescoço: processos espinhosos de C5-C2,
M. espinhal da cabeça: partes escamosas do occipital
M. semiespinal da cabeça: partes escamosas do osso occipital (entre a linha nucal superior e a linha nucal superior, área medial),
M. semiespinal do pescoço: processos espinhosos de C6–C3.
Trajetos
Músculos semiespinal da cabeça e semiespinal do pescoço: aproximadamente paralelo à coluna cervical entre os músculos mais superficiais (músculos esplênio da cabeça e esplênio do pescoço), os mais profundos (músculos multífidos) e os mais profundos, os músculos rotadores (desde que haja pouco efeito rotatório, no que diz respeito à ligeira “rotação forçada” pré-determinada dos corpos vertebrais do mesmo lado causada pela inclinação lateral como resultado da forma das articulações vertebrais).
Músculos multífidos: parte cervical cruzando as vértebras C2-C4
Músculos rotatores: trajeto mais plano, “segmentalmente” de uma vértebra para a próxima ou cruzando uma vértebra.
Função
Músculos iliocostais cervicais, longuíssimo do pescoço e longuíssimo da cabeça:
Ação unilateral: inclinicação lateral,
Ação bilateral: extensão.
Músculos multífidos:
Ação unilateral: inclinação lateral segmentar, rotação para o lado oposto e leve extensão,
Ação bilateral: extensão (e estabilização). Os músculos mais profundos do pescoço, são importantes para a percepção e regulação da posição dos corpos vertebrais individuais em relação uns aos outros.
Músculos semiespinal da cabeça e semiespinal do pescoço - extensão segmentar:
Ação unilateral: inclinação lateral,
Ação bilateral: extensão.
Músculos semiespinal da cabeça e semiespinal do pescoço: de acordo com testes eletromiográficos predominantemente para equilibrar a cabeça, efeito estabilizador; ação unilateral: flexão lateral para o mesmo lado e rotação questionável da coluna vertebral e cabeça para o lado oposto. Ação bilateral: extensão apenas da cabeça (músculo semiespinal da cabeça) e da coluna cervical (músculo semiespinal do pescoço).
Sintomas associados ao ponto gatilho miofascial
Figura 2 - A. Localização dos pontos gatilhos miofasciais dos principais músculos do tronco eretor do pescoço. B. Localização dos pontos gatilhos miofasciais do músculo semiespinal da cabeça. C. Localização do ponto gatilho do músculo semiespinal do pescoço. D. Localização do ponto gatilho dos músculos multifidos.
Dor no pescoço, flexão (e rotação e, até certo ponto, também extensão) limitada (ocasionalmente dolorosa).
Dores de cabeça que irradiam do pescoço.
Sensibilidade à pressão local (travesseiro).
Se houver irritação do nervo occipital principal como resultado de compressão: formigamento ou mesmo dormência e dor (queimação) na região occipital.
Diagnóstico preliminar inespecífico: síndrome degenerativa (coluna cervical/torácica “superior” e/ou “inferior”), distúrbio da função segmentar com ‘bloqueio’ e lesão do disco intervertebral; cefaleia cervicogênica, cefaleia pós-traumática, neuralgia occipital.
Pontos gatilhos e seus pontos de acupuntura correspondentes
Pontos gatilhos | Localização | Dor referida | Ponto de acupuntura |
1 | M. semiespinal da cabeça: apenas suboccipital, aproximadamente dois dedos de largura lateral à linha média | Em forma de anel ao redor da maior circunferência do crânio, especialmente na região temporal | |
2 | M. semiespinal do pescoço (e da cabeça): 2–4 cm abaixo do occipital, ao nível do segundo processo espinhoso, aproximadamente dois dedos de largura lateral à linha média | Superiormente ao occipital | |
3 | Predominantemente mm. multífidos (com agulhamento profundo), semiespinal do pescoço (e da cabeça). Geralmente no nível de C4/C5, aproximadamente dois dedos de largura lateral à linha média; também procurar mais na direção superior e inferior | Margem suboccipital, pescoço, interescapular e mediocraniana da escápula |
O processo espinhoso de C2 (eixo) é a primeira proeminência óssea palpável quando se palpa o pescoço frouxamente flexionado na linha média a partir do occipital em direção inferior.
Avaliação clínica
Na anamnese deve ser questionada a presença de situações estressantes, tanto agudas, quanto crônicas, especialmente devido ao trabalho prolongado com o pescoço fletido, como ler ou trabalhar acima da cabeça (por exemplo, eletricista). É importante questionar se há um histórico de trauma ou exposição ao frio ou correntes de ar. Na presença de um histórico de dor crônica, o aprofundamento quanto aos aspectos emocionais é necessário.
Na inspeção, a presença de postura mais relaxada com protração da cabeça (“postura de abutre”) pode indicar o acometimento destes grupos musculares. A postura sentada em má postura pode indicar um mau ajuste dos óculos.
Ao exame físico, pode estar presente a limitação (dolorosa) de movimento, especialmente durante a flexão e/ou rotação (normalmente, onde há rotação limitada dos músculos eretores cervicais do tronco, de modo que não sejam afetados pela elevação do ombro no lado dolorido). Pode ocorrer o relaxamento desarmônico do pescoço durante a flexão e a presença de contratura paravertebral à palpação. Quase nenhuma resposta de contração local é desencadeada durante a palpação.
A solicitação de exames de imagem (radiografias, tomografias computadorizadas e/ou ressoncância magnética) podem ser solicitadas se houver sintomas e/ou sinais de compressão da raiz nervosa, ou algum outro sinal de déficit neurológico focal.
Considerações sobre os músculos do tronco eretor do pescoço
A maior parte da dor cervical “inespecífica” é causada pelos pontos gatilhos miofasciais. Apesar disso, não é incomum que os pacientes tenham um diagnóstico de discopatia intervertebral como causador de seu quadro doloroso e a causa real da dor não seja abordada ou que seja parcialmente abordada. Muitos exames desnecessários (e recursos disperdiçados) poderiam ser evitados através de palpação e terapia adequadamente direcionadas.
Para dores cervicais crônicas, além da fisioterapia, o suporte psicológico pode ser necessário.
Se o paciente estiver sob grande tensão crônica, pode ser necessário o encaminhamento para um grupo de tratamento interdisciplinar especializado.
Deve-se ter atenção aos segmentos com sobrecarga, presença de hipermobilidade e/ou instabilidade (radiologicamente ainda com pouca evidência de degeneração) e, caso alguma destas situações estiverem presentes, iniciar o tratamento específico, tornando esses segmentos musculares mais estáveis dinamicamente. Em caso de dúvida, pode ser feito um teste terapêutico de toda a coluna cervical, pois muitas vezes é difícil palpar os pontos gatilhos miofasciais dos músculos profundos.
A quantidade relativamente pequena de dor encontrada à palpação nem sempre se correlaciona com os sintomas fortes (ou com a reação pronunciada à infiltração ou agulhamento seco do ponto gatilho miofascial).
Tratar ambos os lados tanto quanto possível, pois os distúrbios de um lado logo terão efeito também no outro lado; o ponto gatilho miofascial não tratado no lado oposto pode facilmente levar à recorrência.
Vale a pena verificar a presença de possível compressão do nervo occipital principal ('neuralgia occipital'): o nervo occipital principal que emerge do ramo medial do ramo dorsal do segundo nervo cervical pode ficar irritado e possivelmente também comprimido à medida que passa através do músculo semiespinal da cabeça (e do músculo trapézio) cada um com cerca de um dedo de largura lateral à linha mediana e abaixo do occipital, medial ao ponto gatilho, como resultado de bandas de tensão. Normalmente, a aplicação local de calor pode não ser útil nestes casos, mas a aplicação de compressas frias pelo paciente pode aliviar a dor em queimação da neuralgia. Os bloqueios nervosos superficiais realizados diretamente na região suboccipital ajudam apenas enquanto o anestésico local atuar. A melhoria a longo prazo pode muitas vezes ser alcançada através do tratamento associado do ponto gatilho miofascial.
Se os sintomas persistirem na parte posterior da cabeça, devem ser procurados pontos gatilhos dos músculos digástrico (ventre posterior) e infraespinal.
Os músculos do tronco eretor cervical têm tendência a formar pontos gatilhos miofasciais satélites (por exemplo, da parte ascendente do músculo trapézio), reforçando a necessidade de tratamento dos pontos gatilhos miofasciais primários.
Abordagem terapêutica não invasiva
Para a realização da terapia manual dos pontos-gatilho, o paciente deve ficar em decúbito ventral ou lateral.
Músculos semiespinais da cabeça e do pescoço: pode ser manuseado em um ou ambos os lados usando uma pegada mais plana.
Músculos multífidos e rotadores: acesso na direção lateral (técnica de separação da fáscia do músculo semiespinal do pescoço); acesso na direção dorsal (pressão dos dedos através dos músculos trapézio, esplênios e semiespinal da cabeça).
Alongamento
Figura 3 - Realização do alongamento dos músculos do tronco eretor cervical. A. Alongamento dos músculos multífidos. B e C. Complemento do alongamento. Adaptado de: Irnich D. Myofascial Trigger Points. Comprehensive diagnosis and treatment. Churchill Livingstone. 2013.
Músculos. semiespinal da cabeça e do pescoço: flexão máxima da coluna cervical, possivelmente com leve inclinação lateral para o lado oposto.
Músculos multífidos (parte cervical): flexão da coluna cervical com leve flexão lateral para o lado oposto e rotação para o lado afetado (Figura 3A).
Pede-se ao paciente que deixe a cabeça pender para a frente, curvar as costas e esticar-se contra a mão do terapeuta, que está colocada na parte superior ou no meio do pescoço (Figuras 3B e 3C).
Procedimentos de fisioterapia
Uso de travesseiro de pescoço, ducha quente no pescoço flexionado, aromaterapia, laser.
Técnicas de infiltração
Figura 4 - A e B. Realização do agulhamento seco dos músculos do tronco eretor cervical. Adaptado de: Irnich D. Myofascial Trigger Points. Comprehensive diagnosis and treatment. Churchill Livingstone. 2013.
Paciente é posicionado em decúbito ventral na maca com orifício para respiração ou em decúbito lateral com coluna cervical reta (apoiada em um travesseiro).
Na presença de contratura intensa, primeiro agulhamento superficial contralateral para relaxar e reduzir a dor (reação consensual). Após isso, agulhar todos os pontos gatilhos aproximadamente na largura de um ou dois dedos lateralmente à linha nucal.
Ponto gatilho 1: inserção com aproximadamente a largura de um dedo abaixo da linha occipital; guiar a agulha diagonalmente em direção superior ao occipital. A inserção na artéria vertebral é frequentemente temida, mas não é possível até que uma profundidade de pelo menos 4 cm seja alcançada. Durante a infiltração, aspirar, se necessário.
Pontos gatilhos miofasciais 2 e 3:
Guiar a agulha verticalmente ou ligeiramente em direção inferior até o osso entrar em contato com a lâmina de C2
Também é possível agulhar na direção lateral se isso for definitivamente realizado dorsalmente ao processo transverso; isso também permite que os pontos gatilhos miofasciais dos músculos esplênio da cabeça e do pescoço podem ser tratados ao mesmo tempo;
Remover a agulha rapidamente assim que o ponto gatilho miofascial for encontrado: as bandas tensas podem reagir de forma violenta e poderosa e podem agarrar a agulha até que ela dobre; isso pode causar dor intensa.
Mobilização segmentar suave após a agulhagem.
Comprimento da agulha, com no mínimo 2 cm: para ponto gatilho miofascial 1 pode ser de 4 cm; para os pontos gatilhos miofasciasi 2 e 3 pode ser de até 6 cm.
Figura 5 - localização ultrassonográfica dos músculos semiespinal da cabeça, semiespinal do pescoço e multífidos. Adaptado de: Goodarzi, F., Rahnama, L., Karimi, N., Baghi, R., & Jaberzadeh, S. (2018). The Effects of Forward Head Posture on Neck Extensor Muscle Thickness: An Ultrasonographic Study. Journal of Manipulative and Physiological Therapeutics, 41(1), 34–41. doi:10.1016/j.jmpt.2017.07.012.
Pode ser feita a infiltração guiada por ultrassom, em casos especiais, conforme referências da Figura 5.
Uso das técnicas de acupuntura para o tratamento dos pontos gatilhos miofasciais
Acupuntura Chinesa Clássica
Pontos locais e locorregionais (também contralaterais): B10 (ponto gatilho miofascial 2), VB20 (agulhamento medial na direção ponto gatilho miofascial 1), pontos Ashi, Ex-B2 Huatuojiaji na coluna cervical', um dedo de largura lateral à linha média ); a pesquisa segmentar paramedialmente com a técnica Very Point de Gleditsch é sensata.
Pontos de controle/pontos sintomáticos: R3 para sintomas de ansiedade, F3 para acumulação de emoções, particularmente aborrecimento e para distúrbios visuais ou pressão retro-orbital.
Técnicas de microsistema
Auriculoterapia: coluna vertebral, gânglios simpáticos, Shenmen, ponto Jérôme; pontos sensíveis à pressão em direção à hélice próximo à área de representação da coluna cervical na margem da antélice.
YNSA: zona D; Área A e/ou B dos pontos básicos.
Linha da mão V: área no quinto metacarpo, corresponde ao ID3 (ou área circundante).
Técnica de Kiiko Matsumoto
Músculos semiespinal da cabeça, semiespinal do pescoço e multífidos:
Para relaxamento à direita no nível C3: F1 à direita, para relaxamento à esquerda no nível C3: BP1 à esquerda,
Para sensibilidade à direita ao nível da inserção occipital: E26 e E27 (apenas músculo semiespinal do pescoço).
Tratamento psicológico e técnicas de relaxamento
Utilizar técnicas para controle da ansiedade e controlar situações que possam gerar a ansiedade.
Gerenciar o estresse profissional e/ou social.
Realizar exercícios de relaxamento e meditação com a cabeça erguida.
Técnicas para autocuidados
Auto-alongamento
Figura 6 - Realização do auto-alongamento dos músculos do tronco eretor cervical. Adaptado de: Irnich D. Myofascial Trigger Points. Comprehensive diagnosis and treatment. Churchill Livingstone. 2013.
O paciente deve se sentar na frente de uma cadeira ou banco.
O paciente deve deixar a cabeça pender livremente e coloca as mãos entrelaçadas no occipital. Depois, ele deve empurrar a cabeça para baixo (para frente) usando o peso dos braços e puxe a cabeça para frente no eixo (alongando a coluna). Em seguida, o paciente deve aumentar a tração na coluna torácica dobrando o tronco para frente. O paciente deve “inspirar” pelo pescoço e permitir que ele se projete para fora, como um gato pressionando a perna de uma mesa. O ideal é que isso seja feito sob ducha quente fixa ou com toalha quente e úmida no pescoço.
Medidas adicionais
Ao ler ou trabalhar em uma mesa, usar uma superfície de trabalho inclinada.
Ajustar a armação dos óculos (de leitura) de forma que as lentes fiquem num ângulo de cerca de 30º em relação ao plano frontal.
Incentivar o paciente a se mobilizar retraindo a cabeça (translação dorsal): sentir a região suboccipital com os dedos e depois empurrar a parte superior do pescoço em direção a esses dedos.
Referências bibliográficas:
Goodarzi, F., Rahnama, L., Karimi, N., Baghi, R., & Jaberzadeh, S. (2018). The Effects of Forward Head Posture on Neck Extensor Muscle Thickness: An Ultrasonographic Study. Journal of Manipulative and Physiological Therapeutics, 41(1), 34–41. doi:10.1016/j.jmpt.2017.07.012
Hammi C, Schroeder JD, Yeung B. Trigger Point Injection. [Updated 2022 Nov 25]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK542196/
Irnich D. Myofascial Trigger Points. Comprehensive diagnosis and treatment. Churchill Livingstone. 2013
Urits, I., Charipova, K., Gress, K., Schaaf, A. L., Gupta, S., Kiernan, H. C., … Viswanath, O. (2020). Treatment and Management of Myofascial Pain Syndrome. Best Practice & Research Clinical Anaesthesiology. doi:10.1016/j.bpa.2020.08.003
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