A neuroplasticidade é a habilidade do sistema nervoso para se reorganizar e se remodelar, particularmente após a lesão do sistema nervoso central.
Mecanismos da recuperação funcional
O cérebro com lesão tem um grande potencial para a reorganização extensiva. Possíveis mecanismos da plasticidade neural que contribuem para a recuperação funcional incluem o brotamento dendrítico ao longo do tempo, neoformação de sinapses e processos de longo prazo de potencialização e depressão. A reorganização após o AVC também envolve áreas do córtex cerebral sem lesão que podem assumir as funções das regiões com infarto. Diferentes áreas do sistema nervoso contribuem simultaneamente para a recuperação funcional.
Diasquise cerebral
A diasquise cerebral é quando ocorre a desativação do funcionamento das áreas não lesadas do encéfalo que estão em torno da área de lesão. Este efeito também pode ocorrer em áreas distantes. Esta alteração pode ser indicativa de um desequilíbrio entre a excitação e a inibição entre as diferentes áreas cerebrais após uma lesão. Quando a depressão funcional retrocede nas áreas mais distantes, o quadro neurológico regride, muitas vezes, de forma dramática. A desaparição gradual deste desequilíbrio pode não significar um mecanismo genuíno de recuperação funcional, mas da reversão de uma potencialidade funcional que foi comprometida de forma transitória.
Reorganização peri-infarto
Alterações na representação das áreas após lesões corticais focais no córtex motor primário têm sido sugeridas como um dos mecanismos de recuperação. Esta forma de plasticidade, conhecida como reorganização vicária, refere-se à possibilidade de que uma região saudável do cérebro possa assumir o controle da função de outra área do cérebro lesada. É importante ter em mente, entretanto, que essas lesões corticais focais restritas ao córtex motor primário (M1) não são frequentemente vistas em pacientes com AVC.
Atividade no hemisfério ipsilateral à lesão
Além da área próxima à lesão, níveis crescentes de ativação foram relatados no hemisfério ipsilateral à lesão, especialmente no córtex motor primário, no córtex pré-motor, na área motora suplementar e na área de Brodmann 40 em pacientes com AVC. Esta ativação desempenha um papel importante no processo de recuperação. O desempenho motor na mão parética de pacientes com boa recuperação motora parece depender predominantemente da atividade reorganizada dentro do hemisfério lesado.
Atividade no hemisfério contralateral à lesão
O hemisfério não afetado é outro importante local de reorganização após o AVC. Níveis aumentados de ativação sensório-motora no hemisfério contralateral à lesão foram identificados durante movimentos simples da mão parética. No entanto, a magnitude desta ativação parece diminuir no M1 em três a seis meses após o AVC.
A intensidade da atividade do M1 contralateral não se correlaciona com o grau de recuperação. Esses achados podem sugerir que a ativação do hemisfério contralateral não é funcionalmente relevante para a recuperação ou que é insuficiente para compensar um déficit motor acentuado. Alternativamente, foi proposto que o aumento da ativação do hemisfério contralateral à lesão poderia ser mais proeminente nos estágios iniciais após o AVC, com reorientação posterior de ativação de volta para as regiões motoras do hemisfério ipsilateral à lesão.
Independentemente do papel específico de cada hemisfério, é claro que os processos de recuperação provavelmente dependem da operação de conjuntos mais extensos de neurônios organizados em redes neurais que ligam a atividade em diferentes locais corticais de ambos os hemisférios. Também parece que o papel da atividade nos hemisférios intactos e afetados no controle motor provavelmente varia dependendo dos locais da lesão, do tempo decorrido desde o AVC, da complexidade da tarefa comportamental e da magnitude do comprometimento.
A forma como os dois hemisférios interagem tem um papel proeminente na recuperação motora. Um exemplo dessas interações é a inibição inter-hemisférica entre representações corticais motoras homônimas. Sabe-se que as fibras transcalosas transmitem influências inibitórias entre as áreas homólogas de ambos os hemisférios. Pacientes com AVC apresentam alterações na excitabilidade cortical motora e uma inibição inter-hemisférica anormalmente alta do M1 contralateral à lesão para o M1 ipsilateral à lesão durante a execução do movimento da mão parética. Essa anormalidade é mais proeminente em pacientes com comprometimento motor mais grave. Esses achados sugerem que a modulação da excitabilidade em regiões motoras do hemisfério intacto e afetado usando estimulação cerebral não invasiva pode contribuir potencialmente para a restauração funcional.
Referências bibliográficas:
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