A reabilitação de pessoas com AVC está passando por uma grande transição, pois as estratégias terapêuticas para melhorar a recuperação neurológica estão sendo incorporadas aos programas que têm sido historicamente dominados por estratégias que usam o membro superior intacto para compensar o membro superior afetado. Essas estratégias compensatórias evoluíram em um ambiente onde as intervenções de reabilitação para promover a recuperação neurológica não tinham base científica, a plasticidade adaptativa do cérebro humano adulto não havia sido estabelecida e as crescentes pressões econômicas exigiam um rápido retorno à independência.
A reabilitação do membro superior hemiparético tem estado no centro dessa mudança de paradigma por várias razões. Como a maioria dos acidentes vasculares cerebrais ocorre no território da artéria cerebral média (ACM), o comprometimento motor do membro superior tende a ser mais grave do que o do membro inferior. Também existem diferenças inerentes na reabilitação do membro superior em comparação com o membro inferior após o AVC. Muitas atividades básicas de autocuidado podem ser realizadas com um único membro superior neurologicamente intacto. Em contraste, ficar em pé e andar são funções básicas do membro inferior, atividades que geralmente requerem o uso de ambos os membros inferiores. Essa diferença básica nas demandas funcionais do membro superior em comparação com o membro inferior torna-se ainda mais relevante, uma vez que a não utilização do membro afetado para uma atividade funcional prejudica a as alterações da neuroplasticidade que levam à recuperação motora. O uso difundido das medidas de deficiência que enfatizam atividades com uma mão em vez de atividades bimanuais também contribuiu para o foco histórico em estratégias compensatórias. Mas o maior impulso, para o desenvolvimento da reabilitação de pessoas com AVC, foi a aceitação da noção de que o cérebro humano adulto é capaz de uma plasticidade adaptativa significativa após lesão adquirida. Esta mudança fundamental no pensamento levou ao desenvolvimento e avaliação de uma série de novas terapias focadas em melhorar a recuperação neurológica do paciente com deficiência do membro superior.
Técnicas sensório-motoras
As técnicas que têm sido tradicionalmente usadas para promover a recuperação são as técnicas sensório-motoras, esses tratamentos abrangem uma variedade de terapias destinadas a promover a recuperação motora. A mais básica dessas abordagens inclui fortalecimento, exercícios de amplitude de movimento, treinamento de equilíbrio e controle postural. Uma técnica terapêutica desenvolvida especificamente para pacientes com AVC foi proposta por Brunnstrom que incentiva o movimento precoce com base em padrões bem reconhecidos de recuperação motora.
Bobath desenvolveu a abordagem terapêutica hoje conhecida como técnica de neurodesenvolvimento, que foi originalmente projetada para o tratamento de crianças com paralisia cerebral. Ele inibe posturas e movimentos anormais e visa facilitar o controle muscular isolado. A facilitação neuromuscular proprioceptiva pretende maximizar a entrada proprioceptiva por meio de alongamentos rápidos e padrões diagonais espirais de movimento. Rood propôs uma técnica que incorpora estímulos cutâneos para facilitar o movimento. Carr e Shepherd desenvolveram uma abordagem orientada para a tarefa do exercício terapêutico que incentiva o movimento durante as tarefas funcionais.
Apesar da tradição do uso das técnicas sensório-motoras, elas não possuem forte suporte científico, entretanto tem seu valor no processo de reabilitação de pessoas com AVC. Os meios fisiológicos que promovem a plasticidade adaptativa ainda não foram totalmente elucidados, mas alguns mecanismos que foram postulados para fundamentar as técnicas sensório-motoras tradicionais poderiam teoricamente facilitar a plasticidade adaptativa. Muitas dessas terapias podem ser adaptadas ao conhecimento em desenvolvimento na área de reabilitação no AVC, isto é, o uso forçado do membro parético, a prática concentrada e a aquisição de habilidade e movimento específico da tarefa.
Terapia de contenção induzida do membro (TCI)
A TCI é uma das terapias desenvolvidas baseadas nos conceitos atuais de neuroplasticidade. Ela é uma técnica segura, não requer tecnologia adicional e está entre as mais amplamente estudadas. A base teórica foi proposta por Edward Taub e se baseia na ideia de que os pacientes com deficiência motora em um membro superior após acidente vascular cerebral aprendam a depender mais do membro não afetado para realizar tarefas funcionais porque as tentativas de usar o braço afetado frequentemente resultam em fracasso e frustração. Isso é explicado por meio dos princípios do condicionamento operante, em que tentativas fracassadas de usar o membro superior produzem uma espécie de feedback negativo, que reduz ainda mais as tentativas futuras. Taub demonstrou que o uso do membro afetado pode ser aumentado pelo uso forçado do membro prejudicado por meio de um processo de restrição do membro superior intacto. Taub também demonstrou que o treino pode ser orientado para realizar tarefas com o membro afetado por meio de aproximações sucessivas da tarefa desejada, que é a técnica comportamental conhecida como modelagem. A capacidade de reorganização cortical ocorre em resposta a intervenções comportamentais.
O movimento repetitivo não é suficiente. Em vez disso, é necessária uma nova aquisição de habilidade ou reaquisição de habilidades perdidas após o AVC para induzir a reorganização cortical e promover a recuperação da função motora. Esses princípios foram incorporados à TCI e outras terapias (incluindo robótica e estimulação elétrica neuromuscular) para promover a função motora após o AVC.
Existem duas formas gerais de programa de TCI. A forma original de TCI consiste em duas semanas de restrição do membro superior intacto por 90% das horas no período de vigília, combinado com aproximadamente seis horas por dia de terapia institucional projetada para forçar o uso do membro superior prejudicado durante atividades orientadas para a tarefa. Os participantes devem ter pelo menos extensão parcial do punho e dedo, controle adequado do membro proximal e equilíbrio suficiente durante a contenção do membro.
Em virtude dos resultados limitados e da falta de praticidade do programa original de TCI, foi desenvolvida uma forma modificada de TCI (TCIm), na qual o tratamento é menos intensivo, mas por um período mais longo. Muitos programas de TCIm restringem o membro intacto por cinco horas por dia por cinco dias por semana combinados com até três horas de terapia, três vezes por semana, durante dez semanas.
Estimulação elétrica neuromuscular (EENM)
Quando o comprometimento motor grave impede o uso terapêutico ou funcional do membro superior comprometido, a EENM pode ser uma opção interessante. Na EENM, o aparelho promove a estimulação elétrica do neurônio motor inferior ou de seus ramos terminais, causando despolarização do neurônio motor e subsequente ativação do músculo correspondente. Como a ativação muscular via EENM requer uma unidade motora intacta (ou seja, o músculo desnervado não pode ser estimulado com segurança com a tecnologia disponível), as aplicações de EENM são bem adequadas para pacientes com lesão do neurônio motor superior, como ocorre no acidente vascular cerebral.
A EENM pode ser fornecida de várias maneiras. Mais comumente, a corrente é fornecida por eletrodos colocados na superfície da pele, mas também pode ser fornecida por eletrodos colocados no nervo periférico, nas regiões próximas ao nervo periférico ou próximo ao ponto motor do músculo. Eletrodos colocados dentro do corpo podem ser implantados por abordagem percutânea ou cirúrgica.
A EENM aplicada ao sistema motor tem sido historicamente diferenciado em aplicações terapêuticas ou funcionais. As aplicações terapêuticas foram projetadas para promover a recuperação motora (isto é, movimento voluntário), enquanto as aplicações funcionais foram projetadas para fornecer movimento funcional apenas durante a estimulação. O termo neuroprótese refere-se a uma aplicação funcional de NMES onde o membro paralisado sofre estimulação em uma sequência coordenada resultando em movimento funcional. Como a aquisição de habilidades na realização de atividades funcionais é mais eficaz do que o simples movimento repetitivo para induzir a reorganização cortical adaptativa, as aplicações terapêuticas e funcionais da EENM provavelmente se fundirão com o tempo. Os conceitos subjacentes à neuroplasticidade sugerem que o uso extensivo de uma neuroprótese em um ambiente comunitário pode transmitir o maior benefício terapêutico em termos de recuperação motora.
Muitos sobreviventes de AVC estagnam em um estágio de recuperação em que o controle proximal é suficiente para posicionar a mão em um volume de trabalho pequeno, mas adequado, e os padrões de sinergia dos flexores resultam em forte flexão de punho e dedo, mas extensão insuficiente de punho e dedo para permitir a abertura da mão. O movimento estimulado pode ser induzido repetidamente sem intervenção do usuário, disparado pelo usuário ou proporcionalmente vinculado ao esforço do usuário por meio de eletromiografia (EMG) se o músculo paralisado puder gerar um sinal adequado. Os conceitos subjacentes à neuroplasticidade sugeririam que a EENM disparada por EMG e controlada por EMG são teoricamente mais propensos a induzir a recuperação motora, mas esses benefícios ainda precisam ser rigorosamente demonstrados.
Como a EENM é segura, ela continua sendo uma estratégia terapêutica razoável para pacientes selecionados, particularmente aqueles que estão muito incapacitados para participar de um programa que estimule o uso forçado do membro. O desenvolvimento contínuo dessa tecnologia provavelmente produzirá uma variedade maior de aplicações e melhores resultados clínicos.
Robótica
As terapias robóticas para o membro superior foram desenvolvidas com base nos conceitos de neuroplasticidade, ou seja, uso forçado, prática em massa, modelagem e aquisição de habilidades. Entre eles, a maior vantagem da terapia robótica poderia estar em sua capacidade de induzir mais repetições de movimento dos membros superiores (prática em massa) dentro de um determinado período em comparação com as terapias baseadas apenas no movimento voluntário. O retreinamento motor assistido por robótica tem sido estudado para a reabilitação de membros superiores após acidente vascular cerebral. Os dispositivos robóticos podem induzir o movimento passivo ou assistido dos membros, que normalmente é direcionado a um alvo visual gerado por computador. As gerações mais avançadas do robô podem fornecer feedback tátil que corrige cinética e cinematicamente o movimento do usuário, teoricamente promovendo o movimento durante a aquisição de habilidades. A maioria dos robôs são táteis, referindo-se à capacidade de sentir o movimento do usuário e fornecer feedback ao sistema que é usado para planejar a saída de movimento subsequente. A terapia robótica também tem a vantagem distinta de induzir repetições sem a necessidade de envolvimento contínuo de um terapeuta, abrindo possibilidades para um espectro de ambientes de tratamento que incluem o tratamento domiciliar.
O efeito da terapia robótica na recuperação funcional permanece obscuro. As novas gerações de robôs procuram abordar de forma mais completa a função preênsil. Outras terapias robóticas foram combinadas com a realidade virtual para abordar outras limitações significativas, como a necessidade de especificidade de tarefa funcional e o uso de objetos do mundo real. Esses avanços na terapia robótica estão em andamento. Com esses avanços, as terapias robóticas são promissoras no que diz respeito ao aumento da eficácia. Com o desenvolvimento, no entanto, a complexidade e o custo da engenharia provavelmente aumentarão, tornando o acesso um desafio contínuo para esse tipo de terapia.
Referências bibliográficas:
Cifu, D. Braddom's Physical Medicine and Rehabilitation. 6th edition. Elsevier, 2020
Horita, S.A. Reabilitação no AVC. In: Greve, J.M.D. Tratado de medicina de reabilitação. 1ª edição. Roca, 2007
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